Chico de Assis e Cacá Diegues durante as gravações do filme Deus ainda é Brasileiro

Cacá Diegues: Um Legado de Luz e Cinema

Hoje, o Brasil perdeu uma de suas figuras mais brilhantes, um ser humano incomparável que dedicou sua vida a transformar nossa cultura e nossa história em imagens eternas. Cacá Diegues partiu, mas seu legado permanece vivo em cada fotograma, em cada cena que ele construiu com tanta sensibilidade e paixão.

Conterrâneo querido, amigo fiel e cineasta genial, Cacá foi muito mais do que um nome importante no cinema brasileiro; ele foi um dos pilares fundadores do Cinema Novo, movimento que trouxe ao mundo uma nova forma de contar histórias. Histórias que vinham das ruas, das favelas, da alma brasileira. Histórias que falavam de esperança, luta, resistência e sonhos.

Tive a honra de trabalhar com Cacá em dois filmes especiais: Deus é Brasileiro e Deus ainda é Brasileiro. Essas experiências foram verdadeiras lições de vida e arte. Aprendi muito com sua inteligência aguçada, seu olhar crítico e, acima de tudo, com o carinho com que ele tratava todos à sua volta. Ele tinha uma capacidade única de unir profundidade e leveza, de abordar temas complexos sem jamais perder o toque humano que tornava seus filmes tão universais.

Nascido em Maceió, Cacá trazia consigo as raízes nordestinas que marcaram sua trajetória. Desde cedo, mostrou-se um visionário. Estudante de Direito na PUC-Rio, trocou os tribunais pelo cinema, fundando um cineclube e se envolvendo com movimentos culturais que mudariam para sempre a história do audiovisual brasileiro. Juntamente com Glauber Rocha, Joaquim Pedro de Andrade e outros gigantes, ele ajudou a criar o Cinema Novo, um grito de liberdade e criatividade em tempos de opressão.

Seus filmes são monumentos da nossa cultura. De Ganga Zumba a Xica da Silva, de Bye Bye Brasil a Deus É Brasileiro, cada obra reflete sua visão generosa e crítica do Brasil. Ele sabia como poucos captar a essência do nosso povo, nossas contradições, nossas belezas e nossas dores. Seu cinema não era apenas entretenimento; era um convite à reflexão, um chamado para enxergarmos o mundo com outros olhos.

Nos momentos difíceis, quando o país mergulhou nas sombras da ditadura, Cacá enfrentou o exílio sem perder sua fé no futuro. Na Itália e na França, continuou produzindo, lutando, sonhando. Quando voltou, presenteou-nos com obras-primas como Quilombo e Orfeu, provando que o cinema brasileiro poderia competir de igual para igual com qualquer outro no mundo.

Mas Cacá não era apenas um cineasta extraordinário; ele era também um homem de princípios, um defensor incansável da cultura e da liberdade artística. Sua coragem em denunciar as “patrulhas ideológicas” e sua luta por uma indústria cinematográfica mais inclusiva e democrática deixaram marcas profundas em nossa sociedade.

Pessoalmente, sinto-me privilegiado por ter compartilhado momentos inesquecíveis com Cacá. Conversas sobre cinema, política, música e, claro, Alagoas, sempre me enriqueceram. Ele era um contador de histórias nato, dentro e fora das telas. Sua risada franca, seu humor sagaz e sua generosidade fazem parte das memórias que guardarei para sempre.

A partida de Cacá nos deixa órfãos de sua presença física, mas jamais de sua obra e de seus ensinamentos. Ele vive em cada filme que dirigiu, em cada espectador que emocionou, em cada jovem cineasta que inspirou. Seu legado é imortal porque o cinema, assim como a vida, é feito de luz. E Cacá Diegues foi, sem dúvida, um dos maiores iluminadores do nosso tempo.

Que Deus conforte o coração de toda a família. Que console também os amigos, os colegas de profissão e os milhões de admiradores que hoje choram sua ausência. Mas que também celebremos a vida desse grande homem, que soube transformar sua existência em arte pura.

Cacá Diegues vive! Em cada história contada, em cada sonho realizado, em cada coração tocado por sua magia. Vá em paz, meu amigo. Obrigado por tudo.

Com carinho,
Chico de Assis Carvalho